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Palavra de Deus

A Palavra de Deus é vital para a comunidade cristã: «a Igreja edifica-se e vai crescendo pela audição da Palavra de Deus» (OLM 7). Por isso, «a Igreja venerou sempre as Sagradas Escrituras, como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando, sobretudo, na Sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o Pão da vida, tanto da mesa da Palavra de Deus como do Corpo de Cristo» (DV 21). 
No Concílio, os documentos sobre a revelação (DV), sobre a Igreja (LG) e a liturgia (SC) foram os que mais sublinharam esta renovada estima pela Palavra. No magistério posterior destacam--se, neste sentido, a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (A evangelização no mundo contemporâneo), de Paulo VI (1975), a Exortação Apostólica Catechesi Tradendae (A catequese do nosso tempo), de João Paulo II (1979), e do mesmo Papa, a Encíclica Redemptoris missio (A missão do Redentor), em 1990. Confira-se também as páginas que João Paulo II dedica à Palavra de Deus, nas suas cartas Vicesimus Quintus annus de 1988, n.º 8 (EDREL 3286) e Dominicæ Cænæ de 1980, n.º 10 (EDREL 2847-2849). 
O apreço e a celebração da Palavra de Deus eram já um valor herdado dos judeus: desde as grandes assembleias do AT (Ex 19.24 Ne 8-9), para a escuta da Palavra, à estrutura da celebração no culto sinagogal, centrado nas leituras bíblicas e na oração dos Salmos. Daí, foi fácil a passagem para a celebração cristã, com a consciência de que Deus, que tinha falado ao seu povo pela boca dos profetas, agora nos dirigiu a Palavra por meio de seu Filho (cf. Heb 1,1-2), a Palavra feita pessoa (Jo 1,14). 
Os primeiros testemunhos (cf. Act 20, Lc 24 e depois Justino, pelo ano 150, na sua Apologia I, 65-67) dão conta que a comunidade cristã organizou a sua celebração com as duas partes integradas: a palavra e o sacramento. A compre¬ensão da sua íntima relação tornou-se agora mais clara. «Estão entre si tão estreitamente ligadas que constituem um único acto de culto. De facto, na Missa é posta a mesa, tanto da Palavra de Deus como do Corpo de Cristo, mesa em que os fiéis recebem instrução e alimento» (IGMR 28; SC 56). 
A comunidade cristã, antes de mais, escuta essa Palavra de Deus, deixando--se evangelizar por ela. A seguir, prega--a à humanidade, dando testemunho dela, por todos os meios de comunicação. A comunidade, evangelizada, converte-se em evangelizadora. De crente, em testemunho missionário.
No meio deste processo, a comunidade cristã celebra esta Palavra na sua liturgia, deixando-se iluminar e alimentar continuamente por ela. Para esta celebração litúrgica, o Concílio determinou que «nas celebrações sagradas seja mais abundante, mais variada e mais adequada a leitura da Sagrada Escritura» (SC 35). E «para que a mesa da Palavra de Deus seja preparada para os fiéis com maior abundância, abram-se mais largamente os tesouros da Bíblia, de modo que, dentro de um determinado número de anos, sejam lidas ao povo as partes mais importantes da Sagrada Escritura» (SC 51). 
Ultimamente, na consciência eclesial, foi amadurecendo uma convicção: a de que Jesus Cristo, Palavra vivente do Pai à humanidade, está presente na proclamação da Palavra na liturgia. Cristo «está presente na sua Palavra, pois, quando na Igreja se lê a Sagrada Escritura, é Ele quem fala» (SC 7; IGMR 29), e os fiéis «reconhecem e confessam que é Cristo presente no meio deles quem lhes fala» (IGMR 60), porque «é uma só a presença de Cristo, quer na Palavra de Deus […] quer “principalmente, sob as espécies eucarísticas”» (OLM 46). Quando a comunidade escuta o Evangelho, que é o momento culminante da celebração da Palavra viva de Deus, multiplicam-se os sinais de respeito: os fiéis «escutam a leitura de pé» (IGMR 60). 
O documento que melhor exprime as riquezas da Palavra na celebração e os critérios com que se dispôs a sua distribuição, nas diversas celebrações ao longo do ano, é a Introdução ao Ordenamento das Leituras da Missa (OLM), de 1981. À proclamação da Palavra responde a comunidade cristã com uma audição cheia de fé, para se deixar interpelar pelo Deus que fala e traduzir o que escutou na realidade da vida. A obediência à Palavra é, no fundo, «aderir ao próprio Verbo de Deus encarnado em Cristo» (OLM 6). Também ela, a comunidade, dirige então a sua «palavra» de louvor ou de súplica ao Deus que lhe dirigiu a sua Palavra. Conforme ensina o Catecismo da Igreja Católica (nn. 1099--1102), tanto a eficácia da Palavra descendente como a da palavra ascendente, da comunidade a Deus, atribui-se claramente à acção do Espírito Santo. 
A Palavra de Deus ocupa também um lugar importante, na celebração da Liturgia das Horas, com as leituras breves de Laudes, Vésperas e as horas menores, e a leitura bíblica mais prolongada no ofício de Leitura. A dis¬tribuição destas leituras bíblicas está pensada para o maior proveito espiritual dos que celebram esta oração eclesial (cf. IGLH 140-158). 
Noutras celebrações tem ainda relevo e sentido a leitura da Palavra: em todos os sacramentos (também na celebração da Penitência, tanto comunitária como pessoal), nas bênçãos (que agora seguem sempre uma leitura bíblica), nas celebrações da Palavra, etc.